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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Parlamento Cessante " Rectrospectiva "

Duzentos e vinte deputados serão investidos nas novas funções hoje, terça-feira, numa cerimónia solene a ter lugar no Centro de Convenções de Talatona, localizado na nobre zona sul de Luanda.
A cerimónia formalizará a instituição da segunda assembleia multipartidária representativa dos angolanos, e a cessação definitiva das funções dos actuais deputados à Assembleia Nacional, cujos mandatos se prolongaram por 16 sucessivos anos, devido ao factor guerra pós-eleitoral que assolou o país desde 1992, na sequência da rejeição dos resultados eleitorais deste mesmo ano.
O novo Parlamento é o resultado das eleições legislativas de 5 de Setembro e funcionará sob o signo de uma paz irreversível e tranquilidade política – factores de inegável influência para um desempenho mais fértil dos novos deputados, comparativamente aos seus antecessores.
O espectro funcional do Parlamento cessante nos seus primeiros anos era caracterizado, no que concerne à tónica do debate, por uma forte tensão política entre o vencedor das eleições de 1992 (MPLA) e o maior partido da oposição (Unita), como consequência da recusa, por esta formação, dos resultados eleitorais.
Concomitantemente, a intensificação dos combates no campo de batalha não deixou de exercer forte influência nos discursos na Assembleia Nacional, com reflexos tão negativos ao ponto de alguns intervenientes fazerem clara apologia da guerra neste órgão de soberania, contrariamente ao juramento prestado, o que relegava o debate a níveis muito baixos.
Quem, entre outras figuras, têm memória desses embaraços são o último presidente da Assembleia Nacional cessante, Roberto de Almeida, que dirigiu os destinos da Casa das Leis por 12 anos (1996 a 2008), metade dos quais em pleno decurso da guerra, e o seu primeiro líder, França Van-Dunem, que ficou à frente do Hemiciclo de 1992 a 1996.
Na obra “10º aniversário da Assembleia Nacional”, edição da própria Casa das Leis, Roberto de Almeida lembra que, “por vezes, o debate ficou diminuído pela assunção de opiniões irredutíveis e posições pouco construtivas por parte dos intervenientes que, contrariamente ao desejado, não raras vezes contribuíram para vincar clivagens e aprofundar divergências”.
Até 1996, o figurino do funcionamento da Assembleia Nacional caracterizava-se pela ausência de grande parte dos 70 deputados da Unita, remetendo o Parlamento numa situação de fraca operacionalidade que veio a modificar-se substancialmente em Abril de 1997, altura em que os parlamentares ausentes foram autorizados pela direcção do seu partido a tomar ou retomar os respectivos assentos, depois da formação do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, no âmbito do Protocolo de Lusaka.
Apesar destes constrangimentos vividos na Casa das Leis, é mister reconhecer-lhe o mérito de ter sido, excepcionalmente, a sede da expressão democrática no conjunto conturbado que então se tornara o país, aliás como recentemente o fez o presidente da República, José Eduardo dos Santos, no termo da primeira legislatura da Assembleia Nacional.
Numa mensagem dirigida aos deputados durante a cerimónia de encerramento da primeira legislatura, realizada a 15 de Julho deste ano, o chefe de Estado angolano sublinha que "a Assembleia Nacional constituiu um laboratório de aprendizagem da sã convivência política, da tolerância e, acima de tudo, do sentido de Estado e patriotismo".
Esta é também a visão dos diferentes grupos parlamentares que integraram a primeira Assembleia multipartidária representativa dos angolanos, embora não deixem de salientar constrangimentos de vária ordem que, de certo modo, contribuíram para macular o virtuoso funcionamento do Parlamento.

Visão dos grupos parlamentares

Para o Grupo Parlamentar do MPLA, apesar das inúmeras dificuldades, agravadas pela situação de guerra, o Parlamento cessante cumpriu o seu papel de forma aceitável, sobretudo por se ter tornado na sede e expressão da jovem democracia.
O grupo parlamentar maioritário lembra que durante os dezasseis anos do seu funcionamento a Assembleia Nacional aprovou um grande volume de diplomas legais fundamentais que constituem hoje a base da arquitectura da jovem democracia, quer através da iniciativa legislativa do Governo, quer dos grupos parlamentares.
Ainda para o MPLA, um dos aspectos positivos do Parlamento cessante foi ter criado duas comissões de trabalho eventuais: A Comissão Eventual sobre a Paz e Reconciliação Nacional, no âmbito do seu contributo para a pacificação do país, e a Comissão Constitucional, no quadro do seu poder constituinte para a elaboração da futura Constituição.

A Unita, por sua vez, reconhece que uma das virtudes que se pode atribuir à Assembleia Nacional é o facto de ela se ter tornado num “espaço único e privilegiado para o convívio multipartidário no confronto de ideias diferentes na e para a democracia nascente”.

O Grupo Parlamentar do PRS - a terceira força política mais votada em 1992 e coincidentemente este ano - considera a manutenção do Estado democrático de direito como uma virtude a salientar no funcionamento da Assembleia Nacional – “o baluarte da construção da democracia em Angola, apesar da conturbada situação política que o país viveu”.
Quanto aos constrangimentos, este grupo considera que a actividade do Parlamento não atingiu os níveis desejados no tocante à produção de leis que correspondam às necessidades do país e aponta também limitações de ordem material e regimental que terão enfraquecido um cabal funcionamento.

Para a FNLA, a grande virtude foi o Parlamento “ter subsistido, não obstante a turbulência político-social que então grassava” pelo país.

O PLD considera que o clima de bom relacionamento entre deputados das várias bancadas quando se encontram nos átrios e corredores da Assembleia Nacional ou no trabalho das comissões, caracterizou o quadro das virtudes que se podem apontar à Casa das Leis.

Para o chamado Grupo Misto (formado pelos partidos com apenas um assento - PSD, PRD, AD-Coligação, PDP-ANA, PNDA, FDA e Pajoca), o mérito da Assembleia Nacional está na “manutenção da chama da democracia multipartidária, mesmo nos momentos mais críticos da guerra civil”.

A Assembleia Nacional contribuiu positivamente no âmbito da sua função legislativa para a normalização das estruturas democráticas, aprovando leis de vária índole, designadamente sobre defesa nacional, economia e finanças, assuntos sociais, administração da justiça, administração pública, entre outras.
Por exemplo, no domínio da defesa nacional, aprovou a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas Angolanas, Lei Geral do Serviço Militar, Lei de Segurança Nacional, Lei sobre Justiça Penal Militar, Lei dos Crimes Militares, Lei sobre a criação dos Órgãos de Justiça Militar, algumas das quais já revogadas.

No sector económico, social e financeiro, salientam-se as leis do Investimento Estrangeiro (hoje Lei sobre Investimento Privado), das Privatizações, de Delimitação das Actividades Económicas, dos Diamantes e das Empresas Publicas, para citar apenas algumas.
No domínio da administração da justiça, podem indicar-se as leis que aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Publico, da Advocacia, Lei Orgânica do Tribunal de Contas, entre várias não menos importantes.
No domínio da administração pública, destaca-se a Lei sobre a tramitação dos Actos Administrativos, lei complementar à lei sobre eficácia dos actos administrativos, assim como várias autorizações legislativas ao Governo para legislar em matéria de funcionamento da administração pública.
De recordar que a produção legislativa da Assembleia Nacional entre 1992 e 2008 cifrou-se em 215 leis e 502 resoluções, correspondendo a uma média produtiva de 13 leis e 31 resoluções por ano, de acordo com o relatório de actividades da instituição, divulgado a 15 de Julho último na cerimónia de encerramento da I legislatura.
Obviamente como disse Roberto de Almeida, a produção de disposições normativas não se mede em termos quantitativos, mas em função do seu conteúdo, profundidade e aplicabilidade, derivada de uma boa e oportuna regulamentação.
A Assembleia Nacional não teve o seu mérito apenas no domínio legislativo, sendo de reconhecer-lhe também um papel activo no plano da diplomacia parlamentar, ao projectar a imagem do país na arena regional e internacional.
Assim, tornou-se membro de pleno direito da União Parlamentar Africana (UPA), do Fórum dos Parlamentos de Língua Portuguesa (FPLP), da União Inter-Parlamentar (UIP) e do Fórum Parlamentar da SADC (FP-SADC), com efectiva participação nas suas reuniões.
Teve igualmente participação activa nas reuniões da Assembleia Paritária da África, Caraíbas e Pacífico - União Europeia, do Fórum de Parlamentares Áfro-Árabe para a População e o Desenvolvimento, entre outras.
Além de darem continuidade à sua natural função legiferante, aos novos deputados competirá o grande desafio de terminar a missão iniciada pelos seus antecessores: a aprovação da futura Constituição - mais moderna e adaptada aos últimos desenvolvimentos do País – bem como um papel mais activo na fiscalização das acções do Governo e na exigência ao executivo de regulamentação oportuna das leis – uma preocupação que sempre norteou o exercício dos deputados cessantes.

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